A IMPORTÂNCIA DO CONTATO INICIAL COM A LÍNGUA ESCRITA ATRAVÉS DO SISTEMA BRAILLE
Clarissa de Arruda Nicolaiewsky - Mestrado em Psicologia – UFRJ
Toda experiência que a criança tem, antes da sua
entrada no ambiente educacional, funciona como um "currículo oculto".
Assim, quanto maior a experiência que a criança tiver tido com a língua
escrita, maior a sua possibilidade de desenvolver a leitura e a escrita
com facilidade. Esse contato social com a língua escrita através de, por
exemplo, outdoors, rótulos de produtos, livros e revistinhas infantis, é
de extrema importância para que se dê o processo de alfabetização.
Trabalha-se hoje com o conceito de letramento, enfatizando-se a
importância da inserção dos indivíduos nas práticas sociais envolvendo a
leitura e escrita (Soares, 1998). Desta forma, aponta-se para a
necessidade de se promover o maior contato possível com a leitura e a
escrita, dentro e fora da escola, enfatizando sua função social.
No
entanto, se uma criança for cega congênita, ela dificilmente terá
contato com a linguagem gráfica existente ao seu redor. São raras as
possibilidades de experiência com o Sistema Braille no cotidiano,
geralmente reduzidas ao contato com embalagens de produtos farmacêuticos
e painéis de elevadores. Dessa forma, dificilmente a criança cega terá
tido acesso ao Sistema Braille antes de entrar na escola (Dodd &
Conn, 2000). Além disso, pouca terá sido sua experiência com livros e
pessoas que sirvam como modelos de leitores para ela (Lamb, 1996). Tais
modelos são fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita
pela criança, pois além de possibilitarem uma compreensão das diferentes
funções sociais da escrita, promovem estímulo e interesse pela leitura
(Piñero, Quero & Díaz, 2003). As atividades de leitura e escrita
realizadas pelos adultos no cotidiano são imitadas naturalmente pelas
crianças que enxergam proporcionando-lhes, assim, o interesse pela
escrita e o desenvolvimento da representação gráfica, o que não ocorre
com a criança cega. Sendo o desenvolvimento da escrita tão importante no
mundo atual e tendo a criança deficiente visual um contato mais
restrito com a língua escrita, torna-se relevante o estímulo e a
promoção de atividades e experiências com o Sistema Braille (Almeida,
2002).
Uma atividade importante para o contato da criança cega
com o Sistema Braille é a utilização de livros em Braille onde a criança
deve ir "lendo" com o dedo enquanto a história vai sendo contada pelo
adulto, sendo que se a criança pára de movimentar o dedo, ele interrompe
também a leitura (Nicolaiewsky, 2004). Esta atividade tem como objetivo
desenvolver não apenas a compreensão pela criança do princípio
alfabético, mas também a própria exploração tátil do Braille, dando
função a esta exploração, além de desenvolver a orientação espacial na
leitura e na escrita. Os livros podem ser confeccionados transcrevendo
ou criando histórias curtas em páginas Braille que podem ser grampeadas
no formato de um livro. Outra opção interessante de papel para a
confecção dos livros é o uso de encartes de revistas ou jornais
produzidos em forma de livretos por possuírem folhas mais grossas até do
que a dos papéis utilizados para escrever em Braille. Pode-se, por
exemplo, confeccionar um livro em Braille, junto com a criança, onde
cada página tem um objeto amarrado referente ao que acontece no texto.
Uma
sugestão bastante lúdica é a utilização de cartões em Braille onde
podem estar descritas ações sonoras como, por exemplo, bater com os pés
no chão, assobiar, estalar os dedos, ranger os dentes etc. Os cartões
podem ser colocados dentro de um saco-surpresa e cada criança retira um e
trilha a frase com o dedo enquanto a ação é lida para a criança que
depois, juntamente com o adulto, realizam a ação descrita. Uma variação
deste jogo é a utilização de cartões com nomes de animais para que
sejam imitados os sons que fazem.
Outra possibilidade é a de se
utilizar a leitura e a escrita em atividades de faz-de-conta. Por
exemplo, podemos brincar com a criança de feirinha, onde ela "lê" a
lista do que comprar, isto é, passa o dedo enquanto o adulto lê, e
confere a lista, com ajuda, com os produtos encontrados.
Através
de atividades como estas, e outras que possamos realizar juntamente com a
criança, é possível proporcionar a criança cega um contato inicial com o
Sistema Braille de forma que ela possa compreender a função da escrita
e, desta forma, desenvolver curiosidade e interesse por seu aprendizado.
Referências
Almeida,
M. G. (2002). Fundamentos da alfabetização: uma construção sobre quatro
pilares. Revista Benjamin Constant, 22 (8): 13-21.
Dodd, B.
& Conn, L. (2000). The effect of Braille orthography on blind
children's Phonological Awareness. Journal of Research in Reading. vol.
23(1): 1-11.
Lamb, G. (1996). Beginning Braille: A whole
language-based strategy. Journal of Visual Impairment and Blindness.
vol. 90 (3): 184-189.
Nicolaiewsky, C. (2004). O Desenvolvimento
de competências metalingüísticas e o aprendizado da escrita através do
Sistema Braille. Monografia. Instituto de Psicologia. Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Pinero, D., Quero, F. & Diaz, F.
(2003). O Sistema Braille. Em M. Martín & S. Bueno (coords).
Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. (pp.
227-248). São Paulo: Livraria Santos Editora Ltda.
Soares, M. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.
Está na Rede
Instituto Benjamin Constant Sítio do Instituto Benjamin Constant, referência nacional em educação e atendimento a deficientes visuais.
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M. G. (2002). Fundamentos da alfabetização: uma construção sobre quatro
pilares. Revista Benjamin Constant, 22 (8): 13-21.